O Mistério da
Enchente
“Salvem as crianças e mulheres!”. Acordei com este barulho no auto – falante.
Pensei: “Que sonho estranho! Uma enchente em São Lourenço!”. Mas quando acordei,
os gritos e barulhos continuaram. Minha madrasta desceu as escadas (gritando)
até meu quarto:
- Rápido, Júlia! Sai dessa cama!
Estamos correndo perigo! – ela quase chorava de medo.
- O que foi, Marlene? – perguntei.
- Enchente! Corre!
Subi a escada, desesperada, para o
telhado da casinha de madeira.
A água batia em nossos pés. A chuva e
as ondas acalmaram. Os bombeiros chegaram num bote e nos tiraram de lá, antes
que o telhado ruísse.
Como nesse ano estava chovendo muito
por lá, todos os sobreviventes viajaram de ônibus e barco até outra cidade. No
ônibus, pensei: “engraçado. Pareceu muito rápido! As águas demoraram uns 40
minutos para abaixarem. Tenho muita sorte que as ondas não subiram mais do que
a altura do telhado.” Pensei nos meus amigos: Pamela, Caroline, Paulo e Jorge.
Os quatro eram muito conectados com o mundo, afinal, estamos em 3120! Eles
teriam visto a notícia na internet ou na tevê. Por isso mandei um e – mail pelo
meu IPhone:
“gente eu to bem. Isso qué dize q num
pricisam si preocupa, ta?”
O ônibus parou nos EUA (não fiquem
pensando: “ah, mas era impossível fazer isso a mil anos atrás. Mas e a
tecnologia, gente?) . Bom sinal, pois moro lá. Verei os meus queridos amigos de
novo!
Vi Pamela atrapalhada com umas
sacolas. Desci da lotação e dei um grande abraço nela, que falou:
- Comprei umas roupitchas para você,
porque tu levou um monte de roupas para São Lourenço.
- Não precisava, Pam.
- Nós ficamos muito preocupados com
você! Vamos pra casa da Carol, vamos!
Todos estavam lá. Jorge começou a
reunião:
- Bom dia, bom dia, gente! Algum de
vocês quer aventura? Eu quero. Vou descobrir por que esta enchente aconteceu.
Todos toparam. Menos eu. Fiquei
olhando, assustada.
- Vamos, Ju! – Carol pegou minha mão –
Coragem, guria!
- Vocês estão loucos? Não quero me
meter em mais aventuras, como a enchente!
- Por quê?
- Porque não quero morrer!
Jorge, determinado, resolveu fazer
votação. A única que não quis aventura fui eu, mas como tinha LEIS hoje em dia
contra grupos que fazem votação e, se um não quer, tem que ir junto. Não queria
ser presa com 20 anos e ficar até os 60 na cadeia, então aceitei.
Nosso destino era:
·
Sair dos EUA e
chegar até a Grécia, porque todos nós acreditamos na mitologia grega e queremos
falar com os Deuses.
Primeiro pegamos o Ultra – Bus, que um
ônibus (que passa pela água sem os pneus, que entram pra dentro do ônibus) que
nos leva até a Rússia dos dias de hoje, que é muito mais sombria e têm muitas
cavernas, coisas que não existiam na Rússia, muito antigamente.
A primeira coisa que vimos foi um
mendigo. Tentei dar um dólar para ele, mas ele disse que não ia adiantar nada,
porque na Rússia de 3120 usam “dolletthes”.
A pobreza era horrível! Tinha por todo
lado. Até nos lugares mais ricos e chiques tinha. Jorge começou a falar que ele
virou guia de turismo no final do ano passado e passou esse tempinho de férias
passado (ai meu deus, quanto “pass”) guiando pessoas em viagens, e disse que ia
nos guiar pela Rússia. Ele nos levou até uma caverna escura e sombria.
- Jorge? - eu perguntei, tentando
disfarçar meu medo – Onde estamos?
- Eu não sei. – respondeu ele com um
meio sorriso – Mas vamos descobrir.
Um uivo cortou o silêncio da noite.
Caroline gritou. Um grito pra lá de fininho. Achei estranho. Carol era muito
quieta.
- O que foi Carol? – Jorge riu – Está
com medo?
-
Sim. Se responder sua pergunta.
Jorge engasgou de tanto rir.
- Tu está com medo?
- Para de encher, Jorge – gritei,
defendendo Caroline.
- Não se mete, Júlia! – Jorge gritou.
- Me meto sim!
Pamela interrompeu a discussão perguntando:
- Cadê o Paulo?
Para trás. Paulo tinha sumido. Nos
entreolhamos assustados. Os gritos de Paulo foram ouvidos. Seguimos marcas de
patas de algum animal. E nos deparamos com o rapaz sendo arrastado por um lobo.
Jorge não pensou duas vezes. Atirou no animal, que caiu morto no chão.
Caroline, desesperada, ajoelhou – se ao lado do animal. Chorou. Seu pranto
molhou o corpo do animal. Ela gritou:
- Jorge, por que você fez isso? Só
existiam dois animais desta raça! Agora tem um!
- Puxa, eu não sabia! Me desculpe! Mas
por que o Paulo interessou o bicho?
- Paulo estava com a carne de vaca
industrial que compramos, certo?
- Certo.
- Então é isso! O lobo sentiu o cheiro
da carne no Paulo, e achou que podia estar dentro dele. Mas não estava. Estava
na sacola plástica.
Uns índios velhinhos nos acharam na
floresta e levaram – nos até uma tribo. Estava quente para caramba. Tiramos os
casacões e casaquinhos. Os índios
começaram a fazer a dança da chuva. A índia mais velha falava a nossa língua.
Ela tossia bastante. Sentou – se com dificuldade em uma cadeira.
- Quem vocês são, meus filhos? – ela
perguntou, tossindo. Falava com dificuldade.
- O que você tem? – Jorge perguntou.
- Câncer... – ela respondeu – Sem
tratamento.
- Como assim? – Pamela perguntou para
a velha.
- Não tem tratamento. Vou morrer logo.
Jorge falou:
- E nós temos que ir embora logo. Foi
ótimo conhecer vocês.
- Fiquem só mais uma noite. Por favor!
Eu preciso de companhia!
Ficamos. Mas não foi uma boa ideia. A
velha Inusuki Tanuhuno morreu. Jorge ficou acordado com ela naquela noite. Ele
disse que ela teve uma parada cardíaca, e que ele não pôde fazer nada, pois a
ambulância não chegaria a tempo. A tribo toda lamentou esta perda.
Os índios acharam que Jorge havia
matado Inusuki, então, nos expulsaram de lá. Aí, Pamela teve uma ideia de
Jerico. Passaríamos de casa em casa, até alguém aceitar nos hospedar. Lógico
que ninguém quis. Gritaram palavrões, nos empurraram pra longe e até mostraram
o dedo do meio!
Até que a Carol teve a brilhante ideia
de achar um hotel. Essa deu certo. Achamos um maravilhoso, na frente de um
laguinho, mas não era mais na Rússia. Era numa cidadezinha perto. Tinha grama,
água, comida (faz uns cinco dias que tomamos banho da última vez)...
Jorge me chamou para passear pela
grama, á meia noite, onde todos estariam dormindo. Deitamos na grama e
começamos a conversar sobre coisas fúteis, até que o cara começou a ficar todo
estranho e irritado. Perguntei o que era e ele esticou uma arma pra mim.
- Se você prometer não contar para o
resto da turma que eu continuo com a arma e que matei Inusuki, eu puxo o
gatilho.
Fiquei nervosa, então prometi não
contar. Mas no dia seguinte, sem o Jorge perceber, escapou. Disse tudo que ele
falou, que ele fez... Mas ninguém acreditou em mim.
- Ih, Júlia, agora deu pra mentir? Vá
arrumar sua mala por que daqui a duas horas partiremos para Bombaim. Não será o
Ultra – Bus, iremos com dois transportes: barco e trem, desta vez. – Pamela
falou, irritada. Pamela sempre acreditou em minhas mentiras (sociais ou não),
mas quando falo a verdade, ela não acredita.
Ok, a viagem foi horrível. Uma
chuvarada começou e quando estávamos no barco, o troço quebrou com a violência
das ondas, e cada pessoa teve que remar com as mãos no pedaço de madeira. Mas (não
sei como) pelo menos CONSEGUIMOS chegar a Bombaim.
A ilha estava toda enfeitada para a
festa junina. Mas o número de ladrões e sequestradores era grande, então
devíamos tomar cuidado.
O resto da viagem foi daí pra pior.
Primeiro, o Jorge sumiu.
- Onde é que ele está, hein?
- Eu tenho um palpite – determinei –
Ele se escondeu e, provavelmente, atirará na Caroline.
- Por que eu?
- Porque o Jorge discutiu contigo!
- Que asneira, Júlia. – Pamela se
irritou novamente – O Jorginho é inocente!
Conheço a Pamela há anos. Sempre que
ela começa a adicionar diminutivos aos nomes, é porque está apaixonada. Mas ela
está me esnobando. Então, vou esnobar ela também. Vou grudar na Caroline.
Paulo gritou:
- Caroline, olha para trás!
Um cara todo de preto com uma máscara
atirou na Carol. Ninguém sabia quem era. Mas eu sabia. Era Jorge. Aqueles olhos
amarelados e fundos não me enganam.
- Não disse? – gritei – Foi o Jorge!
- Para Júlia! – Pamela gritou, desta
vez quase explodindo – Que saco! A culpa é sempre do Jorge!
Pamela falou um palavrão no lugar de
“saco”, mas não é legal botar palavrões em textos. Pode ser um mal exemplo.
- Não é minha culpa se tu está
apaixonada por aquele egoísta! – desta vez, explodi. A Pam era a última pessoa
com quem eu gostaria de brigar no mundo. – Você é muito boba. Aliás, todos
vocês! Não percebem? Jorge só nos colocou nessa muvuca para nos matar!
Por um momento, nós duas esquecemos da
Caroline deitada no chão. Apenas Paulo lembrou – se. Também, Caroline é linda.
Seus olhos verdes e seu cabelo ruivo cacheado formam uma dupla linda. A Carol
não morreu nem entrou em coma por cinco anos. Mas ficou paraplégica.
Mesmo com ela na cadeira de rodas,
continuamos a viagem. Finalmente chegamos à Grécia. E sem o Paulo. Eu e Pamela
não nos falamos. Conversei com a Carol a viagem inteira. Ela continuava linda.
Tinha cartazes escritos em várias línguas: Estrangeiros, caiam fora, Get Out Strangers...
Fomos cercados por homens de togas
armados com espingardas, fazendo sinais de “rua”, mas Caroline começou a falar
em grego. Ela e os homens começaram a rir. Ela disse:
- Eles nos deixaram ir. Vamos até o
monte Olimpo!
Mas tinha um problema. No monte só
tinha escadaria. Como a Carol ia subir? Ela falou de novo com os homens de
togas. Ela traduziu:
- Eles disseram que fizeram a
escadaria para protegerem os deuses, pois assim, os estranhos desistiriam de ir
ver os amados deuses. Mas disseram que alguém vai me carregar até lá encima.
Alguém topa? Ou vamos desistir da viagem?
- Eu topo – Paulo resolveu.
Não deu certo. Os caras estavam
certos. Ninguém ia aguentar subir as escadas. Entre as pausas para tomar água e
descansar, levamos uma semana para subir.
- Chegamos! – gritei.
Entramos. Perguntei diretamente para
Zeus:
- Por que aconteceu uma enchente em
São Lourenço?
- Isto já faz um tempão menina!
Afrodite sumiu, pois a humanidade não estava usando mais amor. Mas, quando
voltaram a amar ela reapareceu. E vós sabíeis que amor ao contrário é Roma?
Zeus deu uma baita gargalhada.
- O que foi? Vocês não tem senso de
humor?
Afrodite entrou na sala, gritando:
- Poseidon, vós esquecestes a torneira
aberta de nov... Filha? Oh, minha filinha querida...
- Eu?
- Caroline perguntou.
- Sim, vós, Caroline.
- Deve haver um engano! Meu pai é
ambientalista!
- Sim, casei com um ambientalista.
Minha maior fraqueza. Mas você é uma semideusa com poderes de ninfa! Use seus
poderes para sair desta cadeira com rodas!
Caroline começou a fazer uns
movimentos com as mãos. Um matagal cresceu em volta dela. Seus trapos se
transformaram num vestido verde e azul. Ela levitou seu corpo por cima da
cadeira. Seus cabelos ruivos ficaram mais vibrantes. E seu olhar, mais aberto.
Ok, agora sim ela está linda de morrer.
Saímos por um matagal que Caroline
fez. Era lindo. Cheio de flores, borboletas, árvores de vários tipos, e bem
claro.
Mas uma surpresa inesperada abalou a
paz do jardim. Jorge chegou. Pamela saiu correndo para beijar o cafajeste. Ele
pegou um incenso e começou a incendiar o lugar.
Os olhos de Caroline, de verde,
passaram pra vermelho. Ela deu um grito. Outra mulher/fada chegou, sorriu para
a gente e disse:
- Fada
Aurora ao seu dispor. Ou Inusuki Tanuhuno. – ela piscou.
Jorge não aguentou e disse:
- Mas eu te matei!
- Não disse que ele matou Inusuki? –
eu berrei.
A voz de Carol de normal passou para
doce raivoso:
- Eu não tolero isso! Não vou deixar isto
acontecer!
A voz dela ecoou pela floresta
queimada. Outras (centenas) de fadas/ninfas apareceram. Todas usaram os seus
poderes contra Jorge. Mas ele fez um escudo protetor que o defendeu de todos os
ataques. As centenas fugiram. Ficaram só Aurora e Caroline.
Os três lutaram bravamente, até que
Caroline apunhalou Jorge. Depois de matá-lo, falou:
- Itacolimnh...
Itacollymacca... Hene... Calientthe! – parecia outra língua. Borboletas e
pássaros rodearam - na pousaram no morto. O corpo se transformou em mais
insetos, borboletas, pássaros, vagalumes...
O motivo da enchente? Não foi
desvendado. Mas quem se importa? Foi uma aventura e tanto!
Caroline está feliz, morando com Paulo
numa casa na árvore. Pamela está de mal comigo e com a Carol, e eu, de mal com
ela. É a vida. Aliás, está na hora de pensar no meu futuro. Qual será minha
profissão? Hum... Arqueóloga? Bióloga? Detetive? Fiscal de trânsito? Atriz?
Roteirista? Diretora? Professora? Acho que ainda tenho um tempinho para pensar
nisso. Ass.:
Júlia Yara Denílson.